DOS CRONISTAS DE 1500 AOS LOUCOS MODERNISTAS

AUTORAS:Jéssica Salomão, Lorena Cézar e Kátia.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009



TRECHO DO LIVRO
Krefeld, 31 de dezembro de 1942
O Natal passou. Não nos demos conta dele. Trabalhamos oito horas. O cotidiano não foi suavizado, por exigência expressa do diretor de Anrath, que se recusou a aceitar pequenas guloseimas que uma instituição de assistência a prisioneiros queria nos enviar. Nessa noite, eu operava a máquina com minha querida Gerda Vossing. Estávamos alegres, pois desejávamos encerrar bem o ano. O guarda meu amigo aproximou-se de nós para me dizer bem rápido:
— Isto não pode mais continuar, tentem fugir, encontrem um jeito! Se surgir a oportunidade, meu nome é Erb, moro na Spinneristrasse, 29. Ninguém irá procurá-las lá...
Nem pude responder, de tão emocionada, tão pasma, com tamanha bondade, tamanha generosidade. De longe, nosso colega Daniel, o último tecelão civil belga deste turno, observa a cena, e assim que meu amigo se afasta, Daniel corre para mim:
— O que aquele safado queria? Aposto que estava enchendo você.
Daniel vive querendo nos proteger, ainda que este bom rapaz esteja cansado de saber que nada pode fazer por nós além de nos presentear com seu bonito sorriso e um aperto de mão quando não há ninguém por perto.Eu o tranqüilizo. O guarda só veio me desejar feliz Ano-Novo. Sim, um feliz Ano-Novo. Na verdade, jamais um homem me deu um presente de fim de ano igual! Erb sabe muito bem que me esconder significa arriscar a própria vida...
Discutimos um bom tempo, Henriette e eu, a proposta de Erb. A salvação é possível. Três alemãs partiram semana passada, mas o ato nos valeu, apesar do frio, o confisco de nossos casacos da fábrica, pois à noite nossas blusas brancas são mais fáceis de serem localizadas. No momento, em pleno janeiro, saímos para tomar a sopa da meia-noite encharcadas de suor. Estamos sob uma fina camisa de seda artificial. A tosse de Henriette é de rachar o peito. Chego a pensar que ela está seriamente enferma.
Debatemos o mistério Erb. Desde que viemos parar nas "mãos deles", já vimos tantas armadilhas, que nos perguntamos se esta não será mais uma. Não! Rejeito essa idéia. Não quero macular a extraordinária generosidade desse homem com um pensamento vil. Não vou, contudo, aceitar sua oferta. Estou doente demais para encarar o esforço de uma fuga. Depois, se me salvo, quem sabe acabam pegando Pierre em meu lugar. Não, o vinho está servido, cabe bebê-lo. "Depois da chuva, o sol há de brilhar", dizíamos a nós mesmos antigamente, quando cantávamos La Jeune garde. Sim, logo o sol irá brilhar. Como nos disse Armand Schmidt, no camburão de Düsseldorf, é preciso "engolir em seco". Tomara que as minhas forças durem até o final do meu encarceramento!
É idiota, mas esta ferida no pé influi no meu estado geral de saúde. Praticamente não durmo mais, o pé e o tornozelo estão inchados. A guardiã, Fräulein Dross, não vê serventia em me levar ao posto de saúde.
Krefeld, 15 de janeiro de 1943
Sem dúvida há mudanças "lá fora", pois o regulamento, da noite para o dia, se tornou muito mais rígido. Os guardas da fábrica agora andam armados de fuzil. Meu pobre Erb tem cara de não saber o que fazer com ele. Um SS acompanha os guardas e vem nos buscar diariamente para nos escoltar ao trabalho. Ele me dá muita pena, pois se parece com Louis Jouvet. É triste vê-lo enfiado neste uniforme! O SS conta as mulheres na saída de casa. A fim de não se confundir, ele nos belisca o braço, de passagem, de preferência machucando a carne.
No meio da sala de máquinas, acabam de construir uma guarita de concreto armado, uma espécie de torre fortificada com seteiras da qual é possível controlar a sala toda com uma simples metralhadora. Uma construção similar também surgiu no pátio e em todas as dependências da fábrica. Estou muito feliz, pois estes sinais são precursores de revolta. Correm rumores de motins...
Maria B., jovem comunista alemã de um outro turno, acaba de ser enviada para Anrath, para a solitária. Vai se divertir um bocado! Está sendo punida por ter dado a boa notícia do cerco às tropas alemãs na Rússia. Onde terá ocorrido esse cerco? Ninguém sabe ao certo, mas todo mundo fala disso. A alegria me leva a dançar, corremos de uma máquina a outra; umas ouviram dizer que se trata de dez divisões, outras, de cem, mas como não sabemos em que consiste uma divisão, continuamos mal informadas. De fonte alemã, fala-se à boca pequena do começo do fim. Uma vez mais, dou piruetas como uma doida, apesar da dor sempre lancinante que sinto no pé. Houben me vê, chama um de seus ajudantes, os dois me observam enquanto imito uma bailarina. Henriette manda, aos gritos, que eu sossegue. Tarde demais! Eles me viram. Tanto pior!

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