DOS CRONISTAS DE 1500 AOS LOUCOS MODERNISTAS

AUTORAS:Jéssica Salomão, Lorena Cézar e Kátia.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

MUITO LONGE DE CASA, ISHMAEL BEAH


“Estou empurrando um carrinho de mão enferrujado numa cidade em que o ar cheira a sangue e carne queimada. A brisa traz o pranto débil de corpos mutilados que dão o ultimo suspiro (...) As moscas estão tão excitadas e intoxicadas que caem nas poças de sangue e morrem. (...) Consigo sentir o calor do meu rifle AK-47 nas minhas costas; não lembro quando atirei com ele da última vez (...)”. Página 21 “

(...) Lembranças das quais às vezes eu gostaria de me livrar, apesar de saber que são uma parte importante do que é minha vida, de quem sou agora (...) Hoje vivo em três mundos: meus sonhos, e as experiências de minha nova vida, que desencadeiam memórias do passado”. Página 22 Da mesma forma que o Nobel Wole Soyinka, Ishmael Beah, jovem escritor natural de Serra Leoa, dá voz ao sofrimento e dor que viveu durante a guerra civil em seu país.

No livro, Muito longe de casa – Memórias de um menino-soldado (A Long Way gone: Memoirs of boysoldier, tradução de Cecília Gianetti, Ediouro, 224 pp), contudo diferentemente de Soyinka que foi preso já adulto por tentar mediar os partidos da guerra civil nigeriana e contou seu drama em The Man Died: Prison Notes, Beah ainda pré-adolescente, conviveu todo o conflito sanguinário, perdendo seus familiares, fugindo pelo interior do país dos rebeldes que massacraram sua aldeia e logo depois foi agregado às forças do exército para lutar contra as milícias do tráfico de diamantes. Forçado a ser algoz, o fã de hip-hop e de boa literatura passa parte da infância e da adolescência matando sob o comando de adultos e fugindo da morte.

O jovem autor de 26 anos veio a Flip 2007, e emocionou a muitos que o ouviram em entrevista. Na mesa “Sobre meninos e lobos” em conjunto com Paulo Linz, falou das barbaridades sofridas, e encantou com um sorriso cativante de forma incrível a platéia do debate. Nem dava para imaginar que ele tinha passado três longos anos de atrocidades, drogas pesadas e matanças que viveu e participou. Fazendo um paralelo, a crítica colocou a África de Beah como uma imensa Cidade de Deus de Linz e da mesma forma usa o assunto estarrecedor para transformar a nossa maneira de encarar o nosso mundo.

A guerra civil em Serra Leoa, recentemente mostrada no filme Diamantes de Sangue de Edward Zwick, com Leonardo Di Caprio e Jennifer Connelly, foi o resultado do conflito interno entre dois lideres políticos do país. Em 1995, o conflito político se degenerou no choque entre as duas forças leonesas, e durante sete anos destruiu quase todo o território de Serra Leoa e matou milhares de pessoas.

Memórias angustiantes, atormentadas, escritas em um estilo simples, que segundo Vinicius Jatobá da EntreLivros, coloca a dor acima das palavras, uma cicatriz exposta que Beah constrói com a mesma estrutura de um conto de Andersen ou dos Grimm, uma clássica história de um inocente sobrevivente em meio à crueldade de uma guerra, como Primos Levi, Imré Kertesz e Nuruddin Farah fizeram em seus É isso um homem, Sem Destino e Mapas, respectivamente.

Apesar da maneira que foi escrita, lembrando suas idas e vindas naquele conflito caótico, o autor consegue em Muito longe de casa encantar com as lembranças das estórias que sua avó contava ou com as descrições de brincadeiras de sua infância roubada pela ferocidade da luta armada. Cita Shakespearre em muitos dos ataques que participou, movido a drogas pesadas e ao calor da “lavagem cerebral” de seus sargentos. Tudo mudou quando conseguiu fugir para Guiné, país vizinho, com a ajuda de voluntários ligados a Unicef, logo depois foi adotado por uma família americana e desde 1998 vive em Nova York, conseguindo o titulo de bacharel em Ciências Políticas pelo Oberlin College.

Beah atrai à leitura com essa sua história de sobrevivência, arrebatando com sua narrativa crua e honesta o público leitor, chegando rapidamente à lista dos livros mais vendidos, deste seu lançamento em junho. Atualmente, o jovem possui um cargo no Conselho de Relações internacionais dos EUA e é membro do comitê de Direitos da Criança da ONG Human Rights Watch.

Cadorno Teles

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