DOS CRONISTAS DE 1500 AOS LOUCOS MODERNISTAS

AUTORAS:Jéssica Salomão, Lorena Cézar e Kátia.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A Chinela Turca (Conto de Papéis Avulsos), de Machado de Assis

Este conto de Machado de Assis foi publicado, pela primeira vez, na Época, nº 1, de 14 de novembro de 1875.
A Chinela Turca, além de um texto enriquecedor por fazer uso de uma linguagem agradável, com certa dose de humor, expressa a língua magnífica, que deve ser sempre instrumento de reflexão. Sabe-se que o texto foi escrito no século dezenove e mantém as características próprias da época. O texto é uma ficção, o fictício se completa com o imaginário, num desnudamento das relações intra textuais, relativizadas no contexto do leitor.A relação do real com o fictício e o imaginário apresenta uma propriedade fundamental do texto ficcional. Quando a realidade repetida no fingir se transforma em signo, ocorre uma transgressão de sua determinação. Daí o ato de fingir ser uma transgressão de limites. Nisso se expressa sua aliança com o imaginário.
Em A chinela turca é por intermédio da visão que a “realidade” se confunde com o sonho. As transições são calcadas na visão. Assim, a passagem da “realidade” ao sonho: “De repente, viu Duarte que o major enrolava outra vez o manuscrito, [...]”. E a passagem do sonho à “realidade”: “Fitou os olhos no homem. Era o major Lopo Alves. O major, empunhando a folha, cujas dimensões iam-se tornando extremamente exíguas, exclamou [...]”.Machado de Assis distingue-se de outros autores por apresentar vazios para que o leitor possa se apropriar desses espaços transformando-se em co-autor, sem que este mesmo leitor se perca do caminho traçado pelo autor.O fictício é a vertente intencional do autor, a obra que ele apresenta para o leitor. Esta vertente se torna contexto para a vertente do imaginário, vertente espontânea. Estabelece-se o jogo, um espaço de troca, de expectativas, de suspense, de interação. É no fingir que emerge um imaginário que se relaciona com a realidade do texto. O autor seleciona fatos, personagens, lugares e combina todos estes elementos constituindo ações, transgressões intratextuais, rompe com os limites do próprio texto, permitindo que o leitor crie a partir destas situações, outras tantas que caracterizam o imaginário do leitor.
A história se passa na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1850. O bacharel Duarte prepara-se para ir a um baile, onde encontrará uma jovem com quem está a namorar há pouco tempo, quando lhe anunciam a visita do major Lopo Alves, velho amigo da família. Causa-lhe horror a visita àquela hora. O major vem lhe dar a notícia de que acabara de escrever um drama. O bacharel custa a crer que isso realmente estava acontecendo com ele, naquela hora da noite, só pensava em Cecília. Empalideceu quando viu o major abrir o rolo que trazia, seria breve na leitura, afinal não passava o drama de cento e oitenta folhas manuscritas. O major começou a leitura, o bacharel mergulhou o corpo e o desespero numa vasta poltrona de marroquim, resoluto a não dizer palavra para ir mais depressa ao termo.O drama dividia-se em sete quadros. Os sentimentos do bacharel não faziam crer tamanha ferocidade; mas a leitura de um mau livro é capaz de produzir fenômenos ainda mais espantosos.
Neste momento o escritor está preparando o leitor para viver o imaginário que a partir deste ponto da obra vai ser criado pelo bacharel.
Voava o tempo, e o ouvinte já não sabia a conta dos quadros... De repente, viu Duarte que o major enrolava outra vez o manuscrito, erguia-se, empertigava-se, cravava nele uns olhos odiendos e maus, e saía arrebatadamente do gabinete... autor e drama tinham desaparecido. Por que não fez ele isso há mais tempo?
Mal tem tempo de suspirar com alegria, quando o empregado vem anunciar-lhe outra visita. Era a polícia!Era acusado de furtar uma chinela turca, preciosa. Duarte suspeitou que o homem fosse doido ou um ladrão. Não teve tempo de examinar a suspeita, viu entrar cinco homens armados, que lhe levaram. Meteram-no à força em um carro e partiram.
No carro, os homens confirmam as suspeitas de Duarte, eles não eram da polícia. Chegaram a uma bela casa. Duarte já achava que a chinela vinha a ser pura metáfora; tratava-se do coração de Cecília, que ele roubara, delito de que o queria punir o já imaginado rival. Na casa um homem misterioso apresenta-lhe uma linda moça, muito parecida com Cecília. O homem diz-lhe que três coisas Duarte vai fazer: casar, escrever o seu testamento; e engolir certa droga do Levante...
Possuía uma pequena fortuna, deixaria tudo para a moça e depois morreria. Não, não se casaria.Ao ser chamado, entra um padre, que olha para ele de modo esquisito. Num momento de distração, o padre revela-lhe que era tenente do exército e que ele deveria pular a janela e fugir.
Duarte não hesitou, pulou a Deus misericórdia por ali abaixo. Deu com um segurança, fechou os punhos e bateu com eles violentamente nos peitos do homem e deitou a correr. O homem não caiu. Começou então uma carreira vertiginosa.Cansado, ferido, ofegante, caiu nos degraus de pedra de uma casa. Um homem que ali estava, lendo um número de Jornal do Comércio, pareceu não o ter visto entrar. Duarte fitou os olhos no homem. Era o major Lopo Alves.O major exclamou repentinamente: Fim do último quadro.
Duarte olhou para ele, esfregou os olhos, respirou à larga. O major pergunta-lhe “Que tal lhe parece?” “Ah! Excelente!” Respondeu o bacharel, levantando-se. “Paixões fortes, não?” Pergunta-lhe o Major. “Fortíssimas”, responde Duarte.O Major despediu-se, eram duas horas. Duarte respirou fundo, foi até a janela e disse para si mesmo: - “Ninfa, doce amiga, fantasia inquieta e fértil, tu me salvaste de uma ruim peça com um sonho original, substituíste-me o tédio por um pesadelo: foi um bom negócio. Um negócio e uma grave lição: provaste-me que muitas vezes o melhor drama está no espectador e não no palco.”
Texto extraído:http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas

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