DOS CRONISTAS DE 1500 AOS LOUCOS MODERNISTAS

AUTORAS:Jéssica Salomão, Lorena Cézar e Kátia.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A chinela turca
“A chinela turca”, um dos contos mais antigos do livro de Machado de Assis, realiza um diálogo com o Romantismo. Os personagens Duarte e major Lopo Alves se envolvem, cada um a sua maneira, com este universo artístico. A imaginação, nesse sentido, é elemento importante e não deve ser descartada.
Vejamos o enredo.
Lopo Alves, após assistir a uma peça ultra-romântica, resolve retomar seus interesses literários e escrever um drama. A questão central do conto é justamente o fato de Duarte ter que ouvir, a contragosto, a leitura do drama de Lopo Alves. Ou pior: abrir mão de se encontrar com Cecília, a moça dos olhos azuis, para gastar seu tempo com o major, de quem a moça era parente.
O bacharel Duarte morava em Catumbi e se preparava para ir ao Rio Comprido, onde se dava um baile em casa da viúva Meneses. Era-lhe certo que lá estaria a moça dos cabelos loiros e olhos azuis chamada Cecília. A visita do major, porém, o impede de ir e o força a ouvir um drama enfadonho. Já eram quase dez horas: Duarte procurou desviar aquele cálice de amargura; mas era difícil pedi-lo, e impossível alcançá-lo.
Consultou melancolicamente o relógio, que marcava nove horas e cinqüenta e cinco minutos, enquanto o major folheava paternalmente as cento e oitenta folhas do manuscrito. (p. 72)
É preciso dizer ainda que o drama se dividia em sete quadros e possuía o estilo romântico. A obra é dada como ultrapassada pelo bacharel: “Lopo Alves cuidava pôr por obra uma invenção, quando não fazia mais do que alinhavar as suas reminiscências”. Já a ironia machadiana traduz a irritação de Duarte: “Não é fora de propósito conjeturar que, se o major expirasse naquele momento, Duarte agradecia a morte como um benefício da Providência” (p. 72). O personagem escapa do suplício pelo sono, como o leitor descobrirá ao final do conto. A passagem do plano da realidade para o onírico é feita de forma ambígua, o que dá ao conto a característica do fantástico, no sentido em que há uma dúvida, por parte do leitor, entre o possível e o fantasmagórico. Veja a passagem: Voava o tempo, e o ouvinte já não sabia a conta dos quadros. Meia noite soara desde muito; o baile estava perdido. De repente, viu Duarte que o major enrolava outra vez o manuscrito, erguia-se, empertigava-se, cravava nele uns olhos odientos e maus, e saía arrebatadamente do gabinete.
Duarte quis chamá-lo, mas o pasmo tolhera-lhe a voz e os movimentos. Quando pôde dominar-se, ouviu o bater do tacão rijo e colérico do dramaturgo na pedra da calçada. (p. 73)
Logo em seguida, e aqui já podemos pensar no sonho de Duarte, chega-lhe a visita de um homem baixo e gordo que diz ser da polícia e afirma que o bacharel roubou uma chinela turca muito cara. O sujeito, porém, não era da polícia e logo cinco homens armados o levam para um carro e o transportam para um lugar que lhe é desconhecido. Duarte desce do carro com os olhos vendados e quando os descobre vê uma sala muito ampla e iluminada. Aos poucos o bacharel percebe que a chinela turca, que lhe será
mostrada, foi apenas um pretexto para que ele fosse levado até ali. Antes de falar com um velho, um padre lhe abençoa. Em outra sala, o velho lhe mostra uma moça que se assemelha muito com Cecília e lhe diz que fará três coisas, a saber: casar-se com ela, escrever um testamento e tomar um veneno. Também há a possibilidade de morrer com tiro de pistola.
O padre reaparece para fazer o casamento. No entanto, o homem lhe diz ao ouvido que não é padre, mas tenente do exército, e que há um meio de fugir: pular pela janela que lhes fica próxima. Duarte se atira então pela janela e inicia a sua fuga. Escapa. Entra depois em uma casa, onde um homem lia o Jornal do Comércio. Esse homem era o major Lopo Alves, que lhe declara ter finalizado a leitura do drama e pergunta o que achou. O bacharel responde que o achou excelente, com paixões fortíssimas. Eram duas horas da madrugada. Despede-se enfim do major.
O último parágrafo do conto é justamente um comentário que estabelece um paralelo entre seu sonho e a peça do major. O bacharel falava consigo: — Ninfa, doce amiga, fantasia inquieta e fértil, tu me salvaste de uma ruim peça com um sonho original, substituíste-me o tédio por um pesadelo: foi um bom negócio. Um bom negócio e uma grave lição: provaste-me ainda uma vez que o melhor drama está no espectador e não no palco. (p. 79)
Como se pode perceber, o personagem Duarte considera, no final, muito melhor ter tido um pesadelo do que ter prestado atenção na peça ruim do major. Outro paralelo pode ser estabelecido: há no conto um desejo amoroso por Cecília e, no sonho, a fuga de um casamento com uma moça semelhante. O sonho é nutrido por elementos retirados da realidade de Duarte e da peça do major. Na peça, como é dito no conto, há homens embuçados, um envenenamento, um rapto de uma moça de dezessete anos e o roubo de um testamento. É justamente a mistura dos elementos do drama com o sonho que o bacharel tem que dá ao conto essa atmosfera fantástica.
Machado de Assis, por outro lado, se dirige ao leitor ao comentar que o melhor drama está no espectador e não no palco. Ou seja, é importante que o leitor imagine e se deixe levar pelas aventuras dos personagens. Essa afirmação, que pode ser estendida para toda a obra, é muito importante para a leitura dos contos em que temos elementos fantásticos como “Uma visita de Alcibíades”, por exemplo.
(TEIXEIRA, Marcos Vinícius. Uma leitura de Papéis avulsos de Machado de Assis. In: Revista de Literatura - 2008. Belo Horizonte: Associação Pré-UFMG, 2007, p. 07-32.)

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